sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

CRIMES CONTRA A HONRA


“Bolo de banha” foi o termo utilizado por uma juíza federal carioca como ofensa ao porteiro do prédio onde mora através de mensagem enviada à síndica - que se encarregou de espalhar o conteúdo ao demais moradores. O destempero da magistrada resultou em condenação por danos morais no valor de R$ 10 mil, tendo sido reconhecido dolo indireto ao lançar a ofensa, com a clara intenção de puni-lo em razão da desídia apresentada no trabalho.

De forma simples, dano moral pode ser definido como representativo de uma lesão a bens e interesses jurídicos imateriais, ao direito de personalidade, a saber: “o direito à vida, à integridade física (direito ao corpo, vivo ou morto, e à voz), à integridade psíquica (liberdade, pensamento, criações intelectuais, privacidade e segredo) e à integridade moral (honra, imagem e identidade)” (Pablo Stolze Gagliano).

A condenação em danos morais pela violação dos direitos de personalidade apresenta dupla finalidade: constitui verdadeira compensação do sofrimento suportado pela vítima e sanção ao ofensor, com caráter claramente educativo.
Mas além do ilícito civil cometido pela magistrada, as ofensas proferidas também se constituem crime: “injúria”, um dos três delitos contra a honra previstos em nosso Código Penal, no art. 140. Os demais são calúnia (art. 138) e difamação (art.139).

“Honra” é entendida como o “conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais de uma pessoa, que a tornam merecedora de apreço no convívio social e que promovem a sua autoestima” (Victor Eduardo Gonçalves). É valor imaterial, que diz respeito essencialmente à dignidade humana. Os aspectos objetivos da honra se referem ao que terceiros pensam a respeito do sujeito, a reputação; já os aspectos subjetivos se referem ao juízo que a pessoa faz de si mesma, a autoestima.

Assim, para que uma conduta seja configurada como crime contra a honra, ela deve constituir lesão ao juízo que terceiros fazem de alguém, ou do juízo que determinada pessoa faz acerca de seus próprios atributos.

O crime de calúnia prevê pena de seis meses a dois anos, além de multa. Ocorre o delito quando há imputação falsa de fato definido como crime a alguém. Precisa ser um “fato”, não apenas um adjetivo ou qualificação. Por exemplo: Maria mente que José entrou de forma sorrateira na sua casa, de onde furtou roupas e calçados. Há atribuição falsa do crime de furto, há um fato, não apenas uma ofensa. 

Se Maria simplesmente chamasse José de “ladrão”, o crime seria outro: injúria.

Na mesma pena incide também quem, sabendo da falsidade, espalha a calúnia (popularmente chamada fofoca).

Respondem também pelo crime de calúnia (além de eventual indenização por danos morais) quem curte, retuíta e compartilha a falsa acusação. A internet resulta, assim, como facilitadora do cometimento de crimes em razão do amplo alcance das postagens, disseminando o conteúdo ilícito de forma a causar prejuízos as vezes irreversíveis.

Porém, se o fato criminoso for verdadeiro (por exemplo, se José furtou mesmo os objetos da casa de Maria), os autores da calúnia podem utilizar em sua defesa um mecanismo processual chamado “exceção de verdade”, através do qual tentarão demonstrar ao juiz que o fato que afirmaram realmente ocorreu. Comprovada a prática do crime atribuído, a conduta antes definida como calúnia deixa de ser criminosa, abstraindo os efeitos criminais de quem a cometeu.

Caluniar candidato a cargo político também é crime e está previsto no art. 324 do Código Eleitoral: “Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime (...)”. Também pratica o crime quem, sabendo da falsidade da imputação, a propaga e divulga.  A pena é a mesma: 6 meses a 2 anos.

Configura difamação o ato de atribuir a alguém um fato que ofenda a sua reputação, é levar ao conhecimento de terceiros um fato ofensivo. O fato pode ser verdadeiro ou não, isso não importa na configuração do crime. Aqui também é atingida a honra objetiva da vítima, consumando-se quando terceiros tomam conhecimento do fato ofensivo. Ocorre por exemplo quando João é acusado por Maria de ter comparecido ao trabalho visivelmente embriagado. Não importa se isso é verdade ou não: embriaguez não é crime e a conduta delituosa ocorre com o simples espalhar da notícia. No Código Eleitoral, o crime está previsto no art. 325, sendo também punível com pena de 3 meses a 1 ano.

Só cabe “exceção da verdade” se o ofendido for funcionário público e a ofensa for relativa à função por ele desempenhada.

Quem divulga ou compartilha informações difamatórias não comete crime, a não ser que no momento de divulgar pratique conduta difamatória, mas pode responder a ação cível de reparação de danos morais.

Ocorre injúria quando alguém recebe uma adjetivação negativa que ofende à sua dignidade ou decoro. Não exige fatos, apenas a qualificação, é atribuir conduta qualidade negativa a alguém. São exemplos adjetivar alguém com palavras ofensivas como “corrupto”, “safado”, “ignorante” ... Aqui a ofensa ocorre à honra subjetiva e se consuma com o simples conhecimento da vítima. Está prevista no Código Eleitoral no art. 326 e prevê penas de até 6 meses de detenção.

Quando a ofensa se relaciona à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, a injúria deixa de ser um crime de menor potencial ofensivo e é punido com pena mais grave: reclusão de 1 a 3 anos. Não cabe “exceção de verdade” em crime de injúria.

O compartilhamento de injúria, assim como a difamação, não constitui crime – mas pode sujeitar a dever de indenização por danos morais.

Os crimes contra a honra são de ação penal privada, ou seja, quem processa é a vítima da agressão, com as seguintes exceções: se o ofendido for Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, depende de requisição do Ministro da Justiça; se o ofendido por funcionário público e a ofensa se referir ao exercício de suas funções, depende de representação do ofendido.

Em processos nos quais se busca apurar o cometimento de crimes contra a honra, há a possibilidade de pedido de explicações. Se a vítima ficar em dúvida acerca de ter sido ofendida ou sobre o real significado do que contra ela se disse, pode requerer ao juiz que ele notifique ao autor da imputação para que ele esclareça os fatos. Havendo ou não resposta, o juiz entrega os autos do processo à vítima que munida das informações ingressa com a queixa. 

Os crimes contra a honra também podem resultar em condenação do ofensor ao pagamento de danos morais à vítima em razão da exposição indevida e da situação constrangedora vivenciada.

Quando se fala de honra, se fala de direito ao respeito e isso definitivamente não saiu de moda, não obstante a evolução social e as práticas da vida moderna.



Debora C. Spagnol
Advogada

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