segunda-feira, 17 de abril de 2017

“ALIMENTOS AVOENGOS”: QUANDO OS AVÓS PRECISAM SUSTENTAR OS NETOS

Poeticamente, Rachel de Queiroz assim descreve a relação avós/netos: “Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menino - involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beicinho pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague”.

Porém a realidade bate à nossa porta e suas mazelas nos interrompem os devaneios com a inevitável conclusão de que as relações humanas são mais do que afetividade: há o dinheiro – indispensável à sobrevivência, mas tão contraditório nos efeitos que causa.

No nosso Direito de Família, a obrigação alimentar está prevista no art. 1.694 do Código Civil e determina que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social. 

Assim, o dever de prestar alimentos se origina por “direito de sangue”, por vínculo de parentesco ou relação de natureza familiar e ainda em razão do matrimônio.

São devidas prestações alimentares quando quem necessita não tem bens suficientes nem pode prover pelo seu trabalho a sua subsistência, ou seja: quem não pode sozinho se cuidar ou se alimentar. Já com relação ao pagador dos alimentos, os valores definidos não podem lhe condenar ao desfalque do mínimo necessário à sua sobrevivência: deve ter condições de sustentar o alimentando e a si mesmo.

Quando os alimentantes são menores de 18 anos, a necessidade independe de provas, sendo as mesmas consideradas tão somente para a fixação dos valores dos alimentos e forma da sua prestação. 

Por força de lei não é qualquer pessoa da família que deve alimentos ao outro, tendo sido estabelecida uma ordem legal a ser observada: é direito recíproco entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Ocorre que embora seja tênue a separação entre a obrigação dos demais parentes, sejam ascendentes ou colaterais, há uma tendência em se responsabilizar os avós a uma prestação alimentar como se pais fossem, quando na verdade não o são. E assim diariamente vemos em nossos Tribunais a imposição aos avós da obrigação de pagar alimentos aos netos, muitas vezes em prejuízo de sua própria sobrevivência.

Os alimentos que são pagos pelos avós aos netos, quando os pais se omitem ou estão impossibilitados de prestar amparo aos seus filhos são denominados alimentos avoengos. Se por um lado as crianças e adolescentes necessitam dos valores para sua manutenção e subsistência (alimentação, moradia, vestuário, educação e lazer), por outro os avós sofrem da mesma carência que aflige os netos, geralmente sobrevivendo de aposentados irrisórias ou de auxílios governamentais.

Assim, inicialmente estabelecida a obrigação alimentar em desfavor dos pais e sobrevindo impossibilidade (ou omissão) para o seu cumprimento, podem os alimentandos ajuizar ação em desfavor dos avós, cobrando deles os valores que os pais não tem condições de prestar. 

Particularmente e ressalvadas as peculiaridades de cada situação, considero mais coerente que antes de se demandar contra os avós - que são os parentes de grau mais afastado - busquem os alimentantes a satisfação de seu crédito junto aos parentes mais próximos (irmãos ou genitores, por exemplo), evitando-se assim eventuais demandas desgastantes e muitas vezes dolorosas aos idosos.

Os alimentos avoengos, quando solicitados contra os ascendentes mais distantes, devem ser requeridos de todos os avós de mesmo grau de parentesco, em razão da responsabilidade conjunta pelo sustento dos netos, não sendo recomendado escolher apenas um avô a ser processado, quando houver mais de um.

Instruído o processo com as provas necessárias e possíveis, as decisões judiciais devem ser concedidas com cuidado, com análise profunda e imparcial da situação das partes e levando-se em consideração que dela poderá resultar, ao invés de satisfação de uma necessidade, uma condenação injusta e impossível de cumprimento, com graves prejuízos aos avós, então considerados devedores dos valores.

Os valores que embasam a fixação da obrigação alimentar (sempre com base no binômio necessidade x possibilidade) são os rendimentos devidamente comprovados, excluindo-se os bens que integram seu patrimônio.

O alimentante pode cumprir a obrigação pagando valores mensais fixados em juízo ou então acolher o alimentado em sua própria casa, se assim autorizado pela justiça ou combinado entre as partes.

É importante ressaltar que o desinteresse ou omissão dos genitores em assistir os filhos não pode ser confundido com impossibilidade de prestar alimentos, sendo necessário que antes de se ingressar com a ação contra os avós tenha o alimentante ajuizado ação de alimentos contra os genitores, esses sim detentores do poder familiar. Comprovada a incapacidade dos genitores (devedores originários), é que poderão ser demandados os avós.

No atraso do cumprimento da obrigação alimentar os avós que foram responsabilizados e se tornaram devedores também estão sujeitos à prisão como forma coercitiva (obrigar, forçar a fazer) ao pagamento, medida que é aplicada independentemente da proteção especial do Estatuto do Idoso. 

Porém, antes de decretada a prisão é fornecida ao devedor a oportunidade de justificar a impossibilidade de pagamento ou pagar integralmente os valores devidos.

Com as oscilações naturais das relações familiares e financeiras, as questões que envolvem alimentos podem ser revistas a qualquer tempo, quando então se buscará adequação à realidade que ora se mostra, seja através da Ação de Exoneração de Alimentos (quando o devedor deverá comprovar que a obrigação alimentar já não pode ser por ele cumprida, sem prejuízo de seu sustento) ou através da Ação Revisional de Alimentos (quando se deseja reduzir ou aumentar a importância paga).
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Por Debora C Spagnol - advogada