Poeticamente, Rachel de Queiroz
assim descreve a relação avós/netos: “Até
as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto:
o bibelô de estimação que se quebrou porque o menino - involuntariamente! -
bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas
recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beicinho pronto para
o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se
zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, vó? Era um simples boneco que
custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague”.
Porém a realidade bate à nossa
porta e suas mazelas nos interrompem os devaneios com a inevitável conclusão de
que as relações humanas são mais do que afetividade: há o dinheiro –
indispensável à sobrevivência, mas tão contraditório nos efeitos que causa.
No nosso Direito de Família, a
obrigação alimentar está prevista no art. 1.694 do Código Civil e determina que
os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social.
Assim, o dever de prestar
alimentos se origina por “direito de sangue”, por vínculo de parentesco ou
relação de natureza familiar e ainda em razão do matrimônio.
São devidas prestações
alimentares quando quem necessita não tem bens suficientes nem pode prover pelo
seu trabalho a sua subsistência, ou seja: quem não pode sozinho se cuidar ou se
alimentar. Já com relação ao pagador dos alimentos, os valores definidos não
podem lhe condenar ao desfalque do mínimo necessário à sua sobrevivência: deve
ter condições de sustentar o alimentando e a si mesmo.
Quando os alimentantes são
menores de 18 anos, a necessidade independe de provas, sendo as mesmas
consideradas tão somente para a fixação dos valores dos alimentos e forma da
sua prestação.
Por força de lei não é qualquer
pessoa da família que deve alimentos ao outro, tendo sido estabelecida uma
ordem legal a ser observada: é direito recíproco entre pais e filhos e
extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em
grau, uns em falta de outros.
Ocorre que embora seja tênue a
separação entre a obrigação dos demais parentes, sejam ascendentes ou
colaterais, há uma tendência em se responsabilizar os avós a uma prestação
alimentar como se pais fossem, quando na verdade não o são. E assim diariamente
vemos em nossos Tribunais a imposição aos avós da obrigação de pagar alimentos
aos netos, muitas vezes em prejuízo de sua própria sobrevivência.
Os alimentos que são pagos pelos
avós aos netos, quando os pais se omitem ou estão impossibilitados de prestar amparo
aos seus filhos são denominados alimentos
avoengos. Se por um lado as crianças e adolescentes necessitam dos valores
para sua manutenção e subsistência (alimentação, moradia, vestuário, educação e
lazer), por outro os avós sofrem da mesma carência que aflige os netos, geralmente
sobrevivendo de aposentados irrisórias ou de auxílios governamentais.
Assim, inicialmente estabelecida
a obrigação alimentar em desfavor dos pais e sobrevindo impossibilidade (ou
omissão) para o seu cumprimento, podem os alimentandos ajuizar ação em desfavor
dos avós, cobrando deles os valores que os pais não tem condições de prestar.
Particularmente e ressalvadas as peculiaridades de cada situação, considero
mais coerente que antes de se demandar contra os avós - que são os parentes de
grau mais afastado - busquem os alimentantes a satisfação de seu crédito junto
aos parentes mais próximos (irmãos ou genitores, por exemplo), evitando-se
assim eventuais demandas desgastantes e muitas vezes dolorosas aos idosos.
Os alimentos avoengos, quando solicitados
contra os ascendentes mais distantes, devem ser requeridos de todos os avós de mesmo
grau de parentesco, em razão da responsabilidade conjunta pelo sustento dos
netos, não sendo recomendado escolher apenas um avô a ser processado, quando
houver mais de um.
Instruído o processo com as
provas necessárias e possíveis, as decisões judiciais devem ser concedidas com
cuidado, com análise profunda e imparcial da situação das partes e levando-se
em consideração que dela poderá resultar, ao invés de satisfação de uma
necessidade, uma condenação injusta e impossível de cumprimento, com graves
prejuízos aos avós, então considerados devedores dos valores.
Os valores que embasam a fixação
da obrigação alimentar (sempre com base no binômio necessidade x possibilidade)
são os rendimentos devidamente comprovados, excluindo-se os bens que integram
seu patrimônio.
O alimentante pode cumprir a
obrigação pagando valores mensais fixados em juízo ou então acolher o
alimentado em sua própria casa, se assim autorizado pela justiça ou combinado
entre as partes.
É importante ressaltar que o
desinteresse ou omissão dos genitores em assistir os filhos não pode ser confundido
com impossibilidade de prestar alimentos, sendo necessário que antes de se
ingressar com a ação contra os avós tenha o alimentante ajuizado ação de
alimentos contra os genitores, esses sim detentores do poder familiar.
Comprovada a incapacidade dos genitores (devedores originários), é que poderão
ser demandados os avós.
No atraso do cumprimento da
obrigação alimentar os avós que foram responsabilizados e se tornaram devedores
também estão sujeitos à prisão como forma coercitiva (obrigar, forçar a fazer)
ao pagamento, medida que é aplicada independentemente da proteção especial do
Estatuto do Idoso.
Porém, antes de decretada a prisão é fornecida ao devedor a
oportunidade de justificar a impossibilidade de pagamento ou pagar
integralmente os valores devidos.
Com as oscilações naturais das
relações familiares e financeiras, as questões que envolvem alimentos podem ser
revistas a qualquer tempo, quando então se buscará adequação à realidade que
ora se mostra, seja através da Ação de Exoneração de Alimentos (quando o
devedor deverá comprovar que a obrigação alimentar já não pode ser por ele
cumprida, sem prejuízo de seu sustento) ou através da Ação Revisional de
Alimentos (quando se deseja reduzir ou aumentar a importância paga).
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Sobre Ação Revisional, vide o artigo no link: http://femininoealem.com.br/18843/como-e-quando-pedir-revisao-da-pensao-alimenticia/